quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Marx, o best-seller

Em voga, o pensador alemão agita o mercado editorial
Eduardo Fonseca

Não por acaso, uma série de lançamentos e relançamentos editorias envolvendo Karl Marx (1818-1883) vem ocupando as prateleiras das livrarias do país. Já faz tempo que de todos os lados brotam opiniões propagando o renascimento do grande pensador alemão que, em meados do século 19, realizou uma análise fundamental sobre o modo de produção capitalista.

O que poucos poderiam imaginar é que ele ganharia novo vigor mediante novos contextos, que ele ressurgiria não mais como substantivo, o marxismo, mas como sujeito. Desta forma, ele conseguiu romper os discursos ideológicos entre esquerda e direita e reaparecer com nova indumentária. Hoje, principalmente depois da crise do mercado financeiro, a obra do pensador alemão voltou à tona do debate. Do mega-investidor George Soros, que confessou ter lido a obra de Marx para ter uma visão mais abrangente de mercado, a estudantes recém-ingressados nas universidades e colóquios no mundo inteiro, Marx está em voga.

Tamanha ascensão fez com que Marx ressurgisse também na imprensa internacional (ver quadro abaixo). De uma hora para outra, o paladino do comunismo passou a ser apontado como uma espécie de guru para se entender o universo complexo do mercado. Como trunfo, sua teoria traz uma visão sóbria e bem alicerçada a respeito das estruturas do capitalismo, sem o fanatismo da teoria liberal que imperou no mundo desde a década de 80, uma teoria que reivindicava a não-regulamentação e o livre-mercado.

Karl Marx: obra viva capaz de reconfigurar hoje o próprio marxismo

Abaixo, separamos alguns lançamentos editorias no Brasil que corroboram para esse ressurgimento daquele que, para o historiador inglês Eric Hobsbawn, em entrevista concedida a revista Carta Maior, previu a natureza da economia mundial com 150 anos de antecedência. Segundo suas palavras, "Não é surpreendente que os capitalistas inteligentes, especialmente no setor financeiro globalizado, fiquem impressionados com Marx, já que eles são necessariamente mais conscientes que outros sobre a natureza e as instabilidades da economia capitalista na qual eles operam".

Marx em partes

Um livro pequeno e acessível para se contextualizar Marx no mundo contemporâneo se chama "10 lições sobre Marx", de Fernando Magalhães, professor de filosofia da Universidade Federal de Pernambuco. E logo na primeira de suas lições o professor já nos introduz às temáticas eleitas por Marx que fazem dele tão atual quanto era. Pois se, em sua época, a relação D-M-D (dinheiro-mercadoria-dinheiro) ainda predominava no capitalismo, devido a sua grande sensibilidade, Marx já antevia que essa relação estava sendo substituída por outra, D-D (dinheiro-dinheiro). Assim, conforme aponta Magalhães, ele apontava a iminência de um grau de fetichismo ainda mais radical que dispensava a presença da mercadoria para se materializar, algo que ele denominou de capital fictício, um conceito trabalhado no terceiro dos volumes que compõem "O Capital". Nele, "Marx nota uma dupla disposição com a nova composição do capital: o poder para modificar a materialidade dos objetos e a inclinação cada vez maior para a expansão mundial das finanças, devido ao colossal aumento dos meios de comunicação". Desta forma, ele "descreve, quase que ´premonitoriamente´, o processo de mundialização ao qual assistimos hoje".

Se tal "premonição" não deixa de ser admirável, para o autor, esse exemplo é apenas um pequeno apontamento do quanto Marx enxergou o capitalismo como um sistema complexo que opera mediante fundamentos sólidos. Para o professor, a atualidade de Marx se sustenta uma vez que "A história se repete como farsa", sendo que os "alicerces do capitalismo permanecem em suas estruturas essenciais (...), ainda que sua reestruturação seja de fundo formal". Como conclusão de suas lições, o autor sugere que não há como pensar na morte de Marx se o objeto de seu estudo rompeu o tempo e se disseminou com uma naturalidade brutal em pleno século 21.

Homem vs Objeto

Sempre foi pública a aversão que Marx tinha de ver sua teoria ser transformada em objeto de culto. O pensador possuía muitas reservas quanto ao emprego do termo "marxista", sendo que ele mesmo dispensava ser taxado como tal. Uma relação conflituosa entre o homem e seu objeto. Pois, se por um lado, o termo é um legado inevitável diante do vigor de sua teoria, por outro, como substantivo, ele vulgariza as idéias, ficando aquém do conteúdo delas, unicamente para alimentar algum tipo de discurso ou militância. É justamente essa relação conturbada o ponto de partida da obra "Marx: além do marxismo", de José Arthur Giannotti. Trata-se de uma segunda edição da obra "Marx, vida e obra", agora, com novo prefácio. Sobre o novo título, o professor emérito da USP diz: "ele tenta sublinhar que a base a ser negada é o marxismo cristalizado numa profissão de fé ou numa corrente de pensamento que não se deixa correr".

Giannotti nos apresenta então a um Marx do terceiro milênio, um pensador que dispensa bandeiras e se infiltra nos mais variados ambientes, ressurgindo como filósofo atemporal, longe de lutas ideológicas que demarcam fronteiras entre esquerda e direita. Para o pesquisador, "depois de uma longa hegemonia do pensamento liberal (...), Marx passa a ser olhado sob novas perspectivas", sendo que aquele que insiste em se afirmar como marxista, "sem dizer em que sentido afirma tal proposição", nada mais quer do que "fazer política sem sujar as mãos no seu jogo efetivo".

Motivos para tanto são vários, entre eles o fato de que o mundo "explodiu" em várias direções e não há mais a figura do proletariado como "vetor da história" que poderia contestar o capitalismo pela raiz. Ciente da polêmica gerada por esse posicionamento, o Giannotti aproveita para adiantar críticas contrárias a esse "novo" Marx: "Meus críticos irão dizer que tento confinar o marxismo aos muros das universidades, que apenas sublinho o lado filosófico da obra de Marx, quando a tarefa, antes de compreender, é transformar o mundo combatendo o capital". Diante da argumentação, o autor retruca: "Nunca as vi (as teses de Marx) como um sistema fechado, até mesmo O Capital, sua obra máxima, atira em várias direções, e tenho fortes suspeitas de que não foi por falta de tempo que restou inacabada", para concluir que suas teses, antes de serem seguidas, merecem, antes de tudo, serem "prosseguidas".

Além de um novo prefácio, o livro traz também três textos de Marx: o ensaio "Contradição entre o fundamento da produção burguesa (medida-valor) e seu próprio desenvolvimento", as "Teses sobre Feuerbach" e o manuscrito "Formas que precedem a produção capitalista".

O bom e velho companheiro

Como contrapeso a essas duas obras, que aproximam Marx de um contexto menos doutrinário, encontramos o livro "Os marxismo do novo século", do pesquisador argentino, César Altamira, que nos anos 70 se exilou no México. Como suporte de seus argumentos, Altamira recorre à seguinte afirmação do filósofo alemão Frederic Jameson: "Quaisquer que sejam as vicissitudes do presente, um capitalismo pós-moderno exige necessariamente que se lhe contraponha um marxismo pós-moderno". Palavras que, de acordo com sua análise, reforçam a necessidade de uma praxis marxista. Para tanto, quem assina o prólogo da obra é Antonio Negri, um filósofo político marxista que ganhou notoriedade internacional após o lançamento do livro "Império", uma espécie de manifesto do movimento anti-globalização. Para Negri, o capitalismo está em crise e "o retorno à esperança do comunismo espalhou-se entre muitos".

Ao contrário do discurso predominante que integra Marx a um mundo globalizado, Altamira é da "escola" anti-globalização, acreditando que a luta também é possível na pós-modernidade. Como exemplos dessa luta, ele desenvolve sua obra sob a ótica de três movimentos sociais que estão em curso nos últimos vinte anos, são eles: a Escola Francesa da Regulação, a Escola de Edimburgo e o Operaísmo Italiano.



Marx, o analista de mercado

Três artigos publicados na imprensa internacional dão o tom de como o pensador alemão voltou à cena mundial, mas com uma nova roupagem. Agora, o pai teórico do comunismo já não é mais tido como a fagulha do movimento revolucionário proletariado, mas, sim, como um pensador cujas idéias podem posicionar o capitalismo para longe do fanatismo dos pressupostos liberais, que nas últimas décadas tomaram conta de maneira hegemônica do discurso global.

No diário The Independent, Mark Steel fala dessa mudança de abordagem. Para ele, Karl Marx está definitivamente na boca do povo, sendo que a maior parte dos jornais possuem artigos publicados sobre ele em suas seções de negócios. Soma-se a isso o fato de que as vendas da bíblia comunista, "O Capital", "atingiram um pico histórico". E isso não se deve somente à raiva do cidadão comum aos "gurus" da economia liberal, que levaram meio mundo a uma crise sem precedentes. Deve-se também, segundo afirma, às análises de Marx sobre o capitalismo, principalmente a sua proposição de que tal modo de produção vive crises cíclicas.

Na mesma linha de ressurgimento, o tradicional periódico inglês, o "The Times", nos pergunta: "Será que Marx realmente acertou na mosca?". Em seu artigo, Philip Collins nos conta sobre diversas evidências que levam todos a afirmar e reafirmar a ressurreição de Marx, tais como os 40.000 peregrinos que ano passado se encaminharam à pequena cidade de Trier, cidade onde o pensador alemão nasceu, em 1818, e as edições de "O Capital" que "voam" das prateleiras nas livrarias, "como nunca antes na história, apesar de não ser um livro de fácil leitura". Mas o artigo, com tendência conservadora, pontua também o quanto ainda estamos longe do que o autor de "O Manifesto Comunista" imaginou para o fim do capitalismo. Apesar da crise, aponta Collins, o capitalismo está longe de acabar. O artigo traz também opiniões distintas de pensadores de esquerda, como Martin Jacques, Eric Hobsbawn, Frank Furedi, entre outros.

Mas quem adiantou mesmo o ressurgimento de Karl Marx foi a revista The New Yorker que, em 1997, já o apontava com um "novo pensador". A reportagem trazia uma curiosa confidência de um analista de mercado que dizia "quanto mais tempo passo em Wall Street, mais me convenço que Marx estava certo". Não satisfeito, ele ainda acrescentava, para assombro do repórter: "Há um prêmio Nobel esperando para o economista que ressuscitar Marx e colocá-lo num modelo coerente com o nosso tempo", mostrando-se realmente convencido de que a análise do pensador alemão era a melhor maneira de olhar para o capitalismo.

Confira as matérias na íntegra:

http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/mark-steel/mark-steel-so-karl-marx-was-right-after-all-1636864.html
http://www.newyorker.com/archive/1997/10/20/1997_10_20_248_TNY_CARDS_000379653 http://www.timesonline.co.uk/tol/news/politics/article4981065.