Mais Médicos vira show de desorganização.
Batalhas judiciais nos estados e a exigência de documentos adicionais pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) devem atrasar ainda mais a entrada dos estrangeiros no programa Mais Médicos, já adiado para o dia 23. Há casos de conselhos, como os do Espírito Santo e do Amazonas, que se recusam a fornecer o registro provisório enquanto não houver decisão da Justiça. Para completar, o Ministério da Saúde não entregou a documentação de parte dos profissionais. Como os órgãos têm 15 dias para emitir a licença de trabalho, os médicos já não conseguiriam começar a atender no prazo previsto.
Em 14 estados pesquisados pelo GLOBO, ainda não há ninguém com o registro em mãos. A Medida Provisória 621, que criou o programa, exige dos profissionais estrangeiros ou brasileiros formados no exterior três documentos para a retirada do registro: diploma, habilitação para o exercício da medicina do país de origem e atestado de domínio da língua portuguesa. Eles estão dispensados do exame de revalidação do diploma, o Revalida.
Apesar disso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) e os conselhos regionais entendem que é fundamental a apresentação do nome do tutor e supervisor responsáveis por cada médico, além de cidade e unidade de saúde onde vão atuar. Por isso não estão concedendo os registros. Até a última quarta-feira, 457 solicitações de registros foram encaminhadas aos conselhos. Mas os médicos selecionados somam 682.
De acordo com o CFM, caso o Ministério da Saúde não entregue os documentos exigidos pelos conselhos, haverá uma “briga desnecessária”: — Se o ministério negar, vamos ao Judiciário mais uma vez, que é um dever nosso; estamos protegendo a população. Queremos saber o local e os corresponsáveis. Não posso fiscalizar alguém que não sei onde trabalha. Se eles nos entregarem isso, está resolvido. Se não, será uma briga desnecessária. Se atrasar, é por incompetência desse governo, porque nunca houve pressa. O governo deixou o serviço público virar um caos, então ele que faça as coisas de maneira competente. Não temos nenhuma pressa — disse Roberto Luiz d’Avila, presidente do CFM.
O governo enfrenta 66 ações relativas ao Mais Médicos. Ao todo, 28 tratam sobre a concessão do registro provisório, sendo que elas foram interpostas por CRMs de 24 estados (as exceções foram Maranhão e Roraima) e pelo Distrito Federal. A Advocacia-Geral da União (AGU) obteve vitória em 14 estados: Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rio, Santa Catarina, Paraná, Minas, Paraíba, Sergipe, Bahia, Pará, Ceará, Mato Grosso, São Paulo, Goiás, além do Distrito Federal. Falta vencer em outros dez.
Espírito Santo e Amazonas, cujas ações estão pendentes, não darão registros enquanto não sair a decisão judicial. No Amazonas, o órgão tem recebido a documentação, mas não vai conceder a licença até que se resolva o imbróglio. Já o conselho capixaba se negou a protocolar o pedido dos dois estrangeiros que atuarão no estado. O presidente do CRM-ES, Aluizio Faria de Souza, questiona a constitucionalidade da MP, que não exige o Revalida:
— Meu entendimento é que ela é uma medida demagógica e eleitoreira, porque fere a Constituição em vários aspectos. O gestor público não é obrigado a cumprir leis que tenham vícios. Enquanto não houver manifestação da Justiça, não serão registrados médicos sem Revalida.
Fora as pendências judiciais e as exigências dos conselhos, há ainda problemas com a documentação já entregue. No Rio Grande do Norte, Rio e São Paulo, as entidades médicas reclamam de ter recebido apenas cópias, e não os diplomas originais. O conselho paulista afirmou que vários documentos apresentavam problemas, como diplomas sem a tradução adequada.
O procurador regional da União da 3ª Região, Tércio Issani Tokano, admite que é possível que seis médicos não comecem a trabalhar em São Paulo no dia 23, já que há documentos que sequer chegaram ao conselho regional. Anteontem, Tokano se reuniu com o CRM para esclarecer supostos problemas com a documentação:— A Medida Provisória do Mais Médicos dispensa a necessidade dos conselhos obterem o diploma original dos médicos e a tradução juramentada. Podem ser tradução e cópia simples.(O Globo)