A criatividade do Tesouro Nacional para fechar suas contas, com o uso de
sucessivas manobras contábeis e brechas legais, criou no Brasil uma
contabilidade paralela à oficial que coloca em risco a credibilidade
fiscal da gestão Dilma Rousseff. Bancos e consultorias passaram a expurgar receitas e depurar gastos para
calcular um superavit "puro" e poder estimar o impacto na economia e
fazer suas projeções.
Nesses cálculos, a economia do setor público para pagar juros da dívida
foi no mínimo 35% menor que a oficial em 2012 (veja quadro). O
descrédito em relação aos números do Tesouro já assusta integrantes da
equipe do ministro Guido Mantega (Fazenda). A crise teve seu auge nas últimas semanas, quando se tornou pública a
triangulação com bancos públicos e o Fundo Soberano para fechar os
números de 2012.
O dado do ano, que só será divulgado no fim deste mês, foi apelidado de
"superavit elfo", numa referência ao conto de Natal publicado em um dos
blogs do jornal britânico "Financial Times". No texto, a presidente Dilma é uma das renas do trenó do Papai Noel e
perde o posto para o presidente do México. O ministro Guido é um elfo
que defende Dilma e cujas previsões são consideradas muito otimistas.
Dentro do governo, receia-se que surjam comparações com a Argentina,
onde as estatísticas oficiais perderam a credibilidade. A Folha ouviu cinco instituições financeiras, entre bancos,
corretoras e consultorias, que fazem o expurgo. Para alguns, a prática
era limitada a 2010 em razão de uma manobra feita com a Petrobras.
Agora, foi ampliada.
Gabriel de Barros, economista da FGV (Fundação Getulio Vargas), desconta
as receitas extraordinárias e contábeis há dois anos e diz que, desde
2008, o resultado primário está superestimado em cerca de R$ 145,6
bilhões. "O superavit era uma boa medida do impacto da política fiscal na
demanda. Isso deixou de ser verdade, quando o governo passou a usar a
contabilidade criativa."
O Itaú divulgou nesta semana relatório retirando dos resultados oficiais
receitas extraordinárias e operações contábeis. No caso dos dividendos,
o banco estima um repasse atípico de R$ 47,3 bilhões desde 2009. "A
ideia [de fazer o ajuste] é tentar capturar o esforço fiscal
propriamente dito para extrair seu impacto na demanda", observa o
economista do banco Marcelo Oreng.
A consultoria LCA faz um ajuste mais simples, abatendo as receitas com
capitalização da Petrobras em 2010 e o dinheiro do Fundo Soberano. O
objetivo dos cálculos próprios "é deixar a medida de superavit primário
mais 'pura'" para avaliar o impacto na inflação, diz o economista-chefe
Bráulio Borges. A Quest Investimentos está concluindo os cálculos da sua estimativa
"pura". A corretora Convenção Tullett Prebon divulgou ontem relatório
com o resultado ajustado de 2012, sem o impacto das operações feitas no
final do ano.
Postado pelo Lobo do Mar