Por Cardoso Lira
Um salário de R$ 6,9 mil mensais
como analista da Controladoria Geral da República (CGU), órgão de combate à
corrupção vinculado à Presidência da República, e um patrimônio de R$ 135 mil
(dos quais R$ 39 mil ainda precisavam ser pagos) era o que tinha o baiano Paulo
Rodrigues Vieira em 2004, quando se candidatou a vereador de Gavião Peixoto,
município de quatro mil habitantes, em São Paulo.
Na época, reforçar os vínculos
com o PT, partido ao qual se filiou no ano anterior, parecia-lhe mais
interessante do que passar os quatro anos seguintes cuidando da pequena cidade;
não à toa, Paulo Vieira obteve apenas 55 votos. Tinha, na época, 31 anos de
idade.
Era uma época em que ele era
destacado para inspecionar, em nome do governo brasileiro, a gestão da
Companhia Docas de São Paulo (Codesp), vinculada ao Ministério dos Transportes.
Era também encarregado de procurar desvios éticos, como assessor especial de controle
interno do Ministério da Educação. Ele discutiu, em seminário, a importância da
atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) no setor portuário. E até
representou o país em congresso internacional de ouvidores, no Canadá.
“Eu vou escrever minha tese de
mestrado de Filosofia sobre esse caso do Demóstenes. Tava pensando aqui, vou
discutir essa questão do conceito de ética, como é que a sociedade tá (sic)
enfrentando isso no momento contemporâneo. Esse caso dele é simbólico demais,
parece que ele criou uma dupla personalidade, né?”, comentou Vieira com o irmão
Rubens, em ligação interceptação telefônica interceptada pela PF em maio deste
ano, citando o caso do senador de Goiás que era conhecido como defensor da
ética e foi cassado pelo Senado quando foi descoberta sua relação com o
bicheiro Carlinhos Cachoeira.
Pois quando Paulo Vieira recebeu
a visita de agentes da PF destacados para prendê-lo, há nove dias, foi como se
a incoerência na história de Demóstenes se repetisse em novo contexto. Na busca
pelos desvios do poder, os agentes acreditam que ele encontrou caminhos que lhe
permitiram alcançar um patrimônio bem diferente do que tinha em 2004,
incompatível com os órgãos que viria a assumir nos anos seguintes, como a
Ouvidoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e a diretoria
da Agência Nacional das Águas (ANA).
O carro que dirige nos dias de
hoje não é mais o Renault Scenic de R$ 35 mil que declarou à Justiça eleitoral
à época, mas uma caminhonete Range Rover, avaliada em R$ 300 mil, registrada em
nome da faculdade que ele abriu em Cruzeiro, no interior de São Paulo, que
dentro de pouco tempo seria expandida para Pindamonhangaba (SP).
Ao apartamento de R$ 70 mil no
Butatã, em São Paulo, o único que ele possuía em 2004, somaram-se pelo menos
outros sete imóveis, de acordo com a PF. Entre eles está um imóvel em Brasília
comprado por R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo; um apartamento em Perdizes, na
Zona Oeste de São Paulo, adquirido por R$ 515 mil; e um flat nos Jardins, área
mais cara da capital paulista.
Em mensagem captada pela polícia,
Vieira, que foi solto na noite da última sexta-feira, discutia a compra de
terrenos por R$ 1,8 milhão e uma casa de R$ 650 mil, tudo na Bahia, seu estado
de origem. A filial de uma escola de inglês em São José dos Campos, em São
Paulo, estava em seus planos também. Se em 2004 ele tinha R$ 30 mil da cota de
um consórcio imobiliário, agora a PF encontrou em suas contas R$ 1,2 milhão.
“Eu não pretendo ficar mais no
serviço público não, viu?”, disse Paulo Vieira à mãe, em telefonema no início
de maio captado pela investigação. “Pretendo não, ganho muito pouco!”,
comentou, fazendo referência ao salário de R$ 23,8 mil como diretor da Agência
Nacional das Águas (ANA) e ao jeton de R$ 2,7 mil pago pelo cargo na Codesp. “Para
o meu padrão, para o meu patrimônio... eu já tenho um patrimônio bom que eu
posso me manter”, disse Vieira. Segundo ele, a diversificação de negócios era o
segredo para o sucesso. “Tudo dá uma coisinha, se trabalhar direito”, comentou
com a mãe, mencionando o restaurante japonês que estava prestes a abrir e os
planos de ser sócio em uma franquia dos correios.
Para a PF e o Ministério Público
Federal, Vieira ficou rico como cabeça de uma organização criminosa infiltrada
em órgãos públicos para vender pareceres que interessavam a particulares. A
relação de proximidade construída com uma funcionária do governo, em especial,
caiu como luva para seus interesses de riqueza e influência no poder: a amiga
Rosemary Noronha era mais do que chefe do gabinete da Presidência da República
em São Paulo, mas uma figura próxima do então presidente Lula.
Com a intermediação de Rose,
apelido da então chefe do gabinete da Presidência em São Paulo, Vieira obteve
seu cargo na ANA e também um posto para o irmão, Rubens Vieira, na Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac), entre outros favores. O canal com o poder lhe
permitia agir em nome de seus interesses e de seus clientes em órgãos como
Ministério da Educação, Advocacia-Geral da União, Secretaria dos Portos e
Correios. Entre os beneficiários da ação de Vieira estão, segundo a PF, os
donos da Tecondi, empresa que atua na área do Porto de Santos, e o ex-senador
Gilberto Miranda, que desejava regularizar seus negócios em ilhas.
Em conversa com uma funcionária
da Secretaria do Patrimônio da União em abril deste ano, Vieira chega a
reclamar da maneira como era tratado e relembra sua origem humide. “Não vou
ficar sendo babá de rico, não. Eu nunca fui, nasci pobre, toquei a minha vida
inteira sozinho e não vou fazer mais”, desabafou, lembrando que naquela ocasião
estava “cheio de rico” querendo paparicá-lo. “Mais ou menos não vai fazer
diferença”, afirmou.
Suas relações com o poder se
estendiam ao Legislativo, em especial ao círculo de influência do ex-deputado
federal Valdemar da Costa Neto (PR), flagrado ao telefone centenas de vezes com
ele. A proximidade era tal que Vieira trabalhou até na definição das
estratégias de defesa do parlamentar no julgamento do mensalão, concluído na
última semana pelo Supremo Tribunal Federal. A três meses do julgamento, ele
discutiu com o irmão Rubens detalhes da defesa de Valdemar, e se disse
preocupado com o risco de condenação por lavagem de dinheiro.
“Esse da lavagem me assustou,
viu?”, disse ao irmão, que respondeu: “Esse tem que ser derrubado o crime,
viu?”. “A prescrição dele é um século”, continuou Paulo, que planejava centrar
o aconselhamento ao político na hipótese de prescrição dos crimes pelos quais
responderia. A ajuda foi inócua. Valdemar foi condenado a sete anos e dez meses
de prisão por lavagem e corrupção passiva.
Advogado do Professor Luizinho no
mensalão, Pierpaolo Bottini assumiu nesta semana a defesa de Paulo Vieira, e
garante que seu cliente não pagou ou recebeu qualquer tipo de propina a seus
clientes ou a funcionários públicos. Está certo de que ele não cometeu crimes,
que todos os bens registrados em seu nome têm origem identificada e que a
Justiça deve levar em consideração o fato de seu cliente ser réu primário. Na
noite da última sexta-feira, depois de passar uma semana preso, Vieira foi
libertado após a concessão de liminar em habeas corpus. Bottini comentou que o
cliente estava “surpreso com todas as acusações feitas a ele”.
Com o afastamento dos cargos no
governo, o chefe da suposta quadrilha denunciada pela PF deverá ficar em São
Paulo. É na cidade que ele tem imóveis e negócios mas, ao ser convidado para
ajudar na elaboração do programa de governo do petista Fernando Haddad “na área
de controle e transparência”, em maio deste ano, declinou.
“O candidato natural seria eu,
né? Porque eu vim da CGU. Mas eu não vou fazer parte de comissão para Haddad
nem aqui nem na China. Eu falei para a Rose que o nome ideal seria você”, disse
ao irmão Rubens Vieira, também indiciado na operação. Pela gravação, Rubens
topou. Petistas negam a participação da família Vieira no programa do partido
para São Paulo. (O Globo)
Postado pelo Lobo do Mar
Nenhum comentário:
Postar um comentário