O texto a seguir foi
retirado do livro “Iniciação ao Taoísmo” e trata-se da transcrição de uma
palestra proferida pelo sacerdote taoísta Wu Jyh Cherng.
- E uma vez chegada
a morte, o que acontece?
Bem, com o esgotamento
da energia, a gente ‘desliga’. O universo da consciência, o ser da consciência,
se separa do ser do corpo físico. A energia vital é a cola que une o nosso ser
consciente ao nosso ser material. Quando essa energia vai embora, eles se
separam. O corpo se decompõe, volta à matéria, à terra, e é devolvido à
Natureza. Nessa hora o ser da consciência – como eu já disse, basicamente
composto de dois elementos, da consciência pura e da consciência personalizada –
sobe.
Na pessoa comum, a
consciência universal se separa da consciência personalizada, ‘egóica’. Quando o
espírito deixa a alma, a consciência universal fica no espaço, e em todos os
lugares. E a alma, que começa a descolar-se, perde a integração com a
consciência universal. E é exatamente essa alma que irá seguir em frente, numa
viagem que a levará a outra vida, a outra encarnação.
- Mas, e a
consciência universal, o espírito não reencarna?
Ele não precisa
encarnar, ele está em toda parte. Ele não tem personalidade, não é
individualizado, não é ‘egóico’, ele é universal. Por que haveria de se
condicionar? Não precisa.
- E por que a alma
tem que procurar outra morada e continuar essa história?
Porque a alma é
exatamente aquela parcela da consciência profundamente apegada. Apegada a uma
forma de ser, por isso tem temperamento: gosta disso e não gosta daquilo; dá-se
bem com um e mal com outro. Ela é profundamente arraigada e presa. Ela é uma
consciência muito mais densa do que a consciência universal, que é feito um
vazio. Por ser dotada dessa natureza, a alma tende a buscar outra morada para
continuar. Esse é o processo da morte. Quando uma pessoa morre, o corpo físico
se decompõe, sua energia se esvanece. Uma pequena parte da energia é
condicionada na alma, para que esta possa continuar a funcionar. O espírito é
devolvido ao espírito e a alma entra em sua viagem do destino num nível mais
sutil. A partir daí começa o processo chamado de transmigração.
Imediatamente após a
morte, a pessoa ainda mantém a consciência de sua identidade. É como se
estivesse acordada fora do seu corpo físico. Com o tempo, ela vai entrando num
processo de torpor. Vai ficando cada vez mais sonolenta e perde a capacidade de
pensar, de observar, de raciocinar, de agir, e cai num sono profundo. Logo seu
espírito, a consciência universal, não mais se manifesta nela.
Imediatamente após a
morte ele tinha lembrança da sua identidade: “Eu era Cherng, era fulano, era
beltrano; só que não tenho mais o corpo. Isto porque aquele espírito ainda
estava condicionado dentro da alma, mantendo a luz, o pensamento e o raciocínio.
Nesse momento ele é um “fantasma”. Ele pode ficar do seu lado falando ‘ei, ei’,
e você não vê. Se você fosse um vidente, talvez se assustasse com as caretas das
almas! [Risos]
Esse estado de
transição em que o espírito é mantido dentro da alma com uma certa quantidade de
energia vital poderia durar um período de tempo indeterminado. Algumas
permanecem nesse estado apenas horas, dias, semanas, no máximo meses, e vão
embora. Desligam-se e partem para o próximo passo. Outras permanecem muito
tempo, anos, décadas, séculos, até milênios, de acordo com o seu grau de
atenção, com a sua concentração, com o seu grau de apego e de a sua força vital
ser de algum modo resguardada ou recarregada mesmo após a perda do corpo físico.
Não obstante, uma hora dessas ele desliga, adormece e parte.
Essas almas permanecem
despertas fora do corpo físico, no mundo intermediário, na plataforma do
destino. Enquanto não reencarnam, essas almas ficam acordadas o tempo inteiro do
outro lado. Quando adormecerem, entrarão em outro estado, perderão o controle e
não mais voltarão a ser o fulano da última vida.
- Então é preciso
ter muito apego para se manter vivo!
Vocês assistiram ao
filme Ghost? Alguém se deu conta de que o fantasma do protagonista ficou vários
dias, semanas, lá tentando solucionar seu ‘problema’ com sua mulher e não dormiu
em momento algum? A mulher dormiu, o traidor dormiu, enquanto ele
perambulava.
No mundo da sombra,
onde a noite é constante, o ‘fantasma’ fica acordado o tempo inteiro, até o
momento em que a energia dele acaba, ele apaga e entra em transmigração. A
permanência nesse estágio intermediário depende do seu nó interior, o nó que lhe
ata a alma às questões que deixou de resolver. Por isso ele não quer ir embora
para um novo destino, outra forma de ser.
- Nesse período,
ele só sabe quem foi na última encarnação, ou sabe das outras
também?
Tudo depende do grau da
sua consciência. Alguns, logo após a morte, conseguem lembrar-se também de
várias vidas anteriores. Outros só conseguem lembrar-se da última. Alguns,
inclusive, começam a se dissolver rapidamente e logo perdem a memória, não se
lembrando de quem são, onde estavam, ou lembram-se apenas de coisas fragmentadas
de uma vida ou de outra, o que faz com que fiquem confusos quanto a sua
identidade.
- Alguns não sabem
que morreram, não é?
Hum... normalmente
descobre-se rapidamente. Se você não sabe, outros fantasmas vêm lhe contar:
‘Você morreu!’ [Risos]
Alguns morrem,
encontram outros ‘lá’, conversam como nós aqui. Outros não encontram ninguém,
caem num vazio, numa imensa escuridão, e ficam lá vagando sozinhos, sem achar
coisa alguma durante muito tempo. Há múltiplas possibilidades.
- Quanto tempo se
leva para entrar na transmigração?
Até 49 dias: sete vezes
sete. Leva-se normalmente de 7 a 49 dias para cair no sono e daí poder entrar em
transmigração. A alma só embarca para outra vida após apagar. Se não apagar, não
vai para a frente. Não acontece como nos romances, em que o fantasma identifica:
‘Oh, este vai ser o meu futuro papai, aquela vai ser a minha mamãe, é só ficar
lá acompanhando, um dia eles fazem amor e aí eu já estou lá, pronto para
nascer.’
Em geral, primeiro se
vira um ‘fantasma ambulante’, com uma forma mais ou menos cônica, sem sua forma
física de cabeça, tronco e membros, algo como uma bola ou cone, que tem uma
frequência própria e vai se sintonizar com a próxima morada de acordo com o seu
carma. Às vezes ele fica ‘lá’ flutuando um bom tempo até encontrar aquele casal
que tenha uma combinação cármica que esteja na sua frequência, para entrar
naquela encarnação. Então, ele não sabe aonde vai. Também não há aquele bom
velhinho, ou aquela figura assustadora que pega a sua mão e lhe diz que você
está sendo levado para tal lugar. Normalmente isso não acontece. Não no ato da
transmigração. Pode acontecer antes, quando são encontrados guias, entidades;
nesse período intermediário, sim, você faz ‘relação social’, mas, na hora em que
você vai mesmo, apaga tudo, entra no espaço e vai se encaixar exatamente onde
você merece ser encaixado.
Para nós, não existe
aquela história de “fulano encarnou injustamente”, “aquela família não tem nada
a ver com ele, coitado, uma alma tão iluminada numa família tão medíocre!” Não
existe isso. Se caiu lá, é porque merece. Esse é o lugar a ele destinado. Não há
injustiça nisso. É como um programa de computador que requer uma senha para
abertura de um arquivo. Se você tiver tal senha, o arquivo se abre para você; se
não tiver a senha, ele não se abre. E é só: não há julgamento. O Céu, a Terra, o
Tao – a exemplo do computador [Risos] – não tratam as pessoas com privilégios ou
discriminação. Nós fazemos o nosso destino.
- Há 5 mil anos,
havia menos de 1 milhão de pessoas na Terra, hoje somos mais de 6 bilhões, como
se explica isto? Milagre de multiplicação das almas?
O grande problema da
maioria das pessoas é olhar para o tempo de maneira muito estreita. E olhar o
espaço de maneira muito curta. Supõe-se que o universo das almas é apenas este
planeta e os últimos 3 mil ou 4 mil anos. Na verdade, o tempo é infinitamente
maior: bilhões e bilhões de anos. Durante este período de tempo, infinitas almas
surgiram, infinitas populações apareceram, se desenvolveram e desapareceram. Em
algumas épocas houve muito mais, em outras muito menos. Isto em termos de tempo.
E o espaço? Além do nosso espaço físico no planeta Terra, existem infinitos
‘territórios’ no Universo. A alma não transmigra só de um lugar para outro. Por
ir de um continente para outro, de um planeta para outro, de uma galáxia para
outra, de uma dimensão para outra.
Então, existem só no
nosso mundo infinitas dimensões, ou mundos paralelos. Às vezes, a população
daqui diminui enquanto a de outras dimensões aumenta muito mais. Então nós
estamos sempre nos ajustando entre infinitas dimensões de tempo e espaço. Por
isso, não houve aumento de entidades ou aumento de almas. Houve, sim,
transmigração de um lugar para outro.
O mundo dos seres
humanos é apenas um pequeno departamento dentro de um incomensurável universo.
Há ainda muito outros níveis, outros mundos, outras dimensões mais sutis e
diferentes. É dentro dessa grande complexidade que acontece a grande viagem da
alma. Assim, não são propriamente aqueles milhões de almas de 5 mil anos atrás
que se multiplicaram para formar esses não sei quantos bilhões. O que houve foi
a multiplicação de matéria. Houve produção de mais corpos físicos para abrigar
mais gente, e não aumento na ‘produção’ de almas, porque sempre há almas à
disposição, é só trazê-las. Se a população aumenta, construímos mais habitações;
se diminui, construímos menos. O corpo é a casa.
- A alma não pode
escolher que caminho seguir?
Enquanto ela está
acordada, sempre faz escolhas. Como nós, do lado de cá. Nem sempre somos
bem-sucedidos nas nossas escolhas, mas sempre tentamos. Mas, a partir do momento
em que apaga e vira um ‘cone’, a alma não escolhe mais nada. É levada pelo
destino.
Quando a alma desliga e
vai para a plataforma do destino, ela terá a possibilidade de seguir por vários
caminhos. Apesar de o Taoísmo apontar para infinitas possibilidades, estas
basicamente se resumem a seis caminhos.
A primeira
possibilidade é voltar a ser humano, reencarnar como ser humano. Este é o
Caminho do Homem.
A segunda possibilidade
constitui uma condição melhor do que a humana. Dependendo do seu nível de
desenvolvimento espiritual, grau de iluminação, grau de desapego das coisas do
ego, após a morte ele consegue despir-se rapidamente de seus laços e, por ter
passado longo tempo de sua vida com alto grau de consciência, tem muito mais
força do espírito dentro dele do que a força da alma e esta ascensiona e
transmigra para um mundo mais luminoso, mais iluminado. A este nós chamamos de
Caminho do Céu.
É uma espécie de reino
celestial, um mundo feito de luz, ao passo que aquela plataforma de partida
constitui o mundo das almas, dos fantasmas, uma espécie de eterna noite.
Parte-se de um mundo Yin, sombrio, para o seu oposto, um mundo de eterno dia, um
mundo sempre luminoso. O mundo Yang é mais leve, situando-se numa dimensão
superior e mais sutil que a nossa. Há infinitos reinos celestiais.
Numa das aulas
anteriores, dissemos que existem 28 céus, divididos em quatro grandes
aglomerações. Esses 28 céus possuem cada um 64 dimensões. Isto dá 1.792 céus! As
almas iluminadas, não consideradas como seres humanos – pois sua capacidade, sua
condição cármica e seu nível de consciência estão acima da condição humana -,
vão para um dos mundo constituídos por esses céus ou reinos, onde nascerão como
seres mais iluminados.
Nós chamamos os seres
que habitam os mundos celestiais de seres ou homens celestiais. Muitos deles,
possivelmente já encarnados lá, recebem tarefas e trabalhos como mensageiros e
trabalham conosco. São as entidades luminosas que descem ao nosso mundo, muitas
vezes como orientadores espirituais. Alguns deles estão sempre transitando entre
os dois mundos, outros jamais vêm para cá. Nossa energia pesada e nossa
consciência pouco iluminada nos impedem de entrar em contato com eles, a não ser
que nos depuremos através da prática espiritual.
Os mundo celestiais
também possuem tempo e espaço, só que o tempo deles é muito mais lento e seu
espaço, muito mais sutil. Uma noite e um dia deles durariam dezenas a centenas
dos nosso anos. Portanto, a vida dura muito mais que na condição humana, mas não
é uma vida eterna.
Mesmo quem vive no
mundo iluminado ao lado dos deuses, se desenvolve um carma pesado, entra em
transmigração e decai. Para o Taoísmo não existe a garantia de uma vida eterna.
A vida sempre depende da conduta. É como no mundo dos negócios: você pode
enriquecer este ano, quebrar no ano que vem, recuperar-se adiante! Tudo está na
sua mão, mas nada está garantido, não existe ‘carma evolutivo’ garantido. É um
erro supor que, se você não fez nada de bom nesta vida, na próxima as coisas
ficarão pelo menos como agora e que piorar é impossível. Sempre podemos ir para
o melhor e, no melhor, descer para o pior ou subir para o melhor ainda; bem como
é possível ir para o pior e, no pior, subir para o melhor ou descer para o pior
ainda!
O Taoísmo não nos deixa
ilusões: nós somos os únicos responsáveis pelo nosso destino. O Taoísmo não
ilude ninguém, não garante nada, apenas fornece as ferramentas do trabalho
espiritual – cada um se garante e ninguém garante ninguém! Mestres espirituais
estendem-lhe a mão através do ensinamento, e, em resposta, você deve dar a sua
mão, por seu esforço, seu trabalho e sua dedicação, para poder aprender. E,
repito, nada está garantido.
O Taoísmo sempre foi
muito franco e liberal, a ponto, inclusive, de garantir que nada é garantido.
Sabemos que seria muito mais fácil, para a propagação da ‘nossa’ fé e difusão da
religião, sobretudo nesses tempos de busca e incerteza, dizer assim: ‘A nossa
religião garante!’ Milhares acorreriam, dizendo: ‘Vou virar Taoísta porque no
Taoísmo a salvação é garantida!’
Mas nós não garantimos
nada! Você pode ficar melhor ou pior, até no melhor você pode cair no pior,
depende de você! ‘Ah, mas vocês não dão nada, nenhum conforto, então eu vou para
outra religião, onde tudo está garantido!’ Bem, isso é uma questão
teológica.
Consideramos que você
pode estar em qualquer religião que, não obstante o que ela sustente, nada é
garantido. Os mestres iluminados, com suas consciências iluminadas,
revelaram-nos que a única coisa que você pode garantir, através da sua
participação, é o seu trabalho espiritual. Se não ficar satisfeito com isso,
busque aquela religião em que você se sinta mais seguro. (Mas será que é segura
mesmo?)
Rememorando, existem
basicamente seis possibilidades na transmigração. A primeira é voltar como ser
humano. Mesmo voltando como humano, você tem muitas possibilidades: voltar mais
rico, voltar mais pobre; voltar mais bonito, voltar mais feio; voltar homem,
voltar mulher; voltar branco, voltar negro; voltar mestiço, voltar oriental;
voltar extraterrestre, verde, anteninha na cabeça, noutra galáxia, todas essas
variações são chamadas de ser humano. Tem ser humano daqui, tem ser humano de
Centauro, tem ser humano de outra galáxia.
A transmigração para os
reinos celestiais, mundos da luz, sutis, se dá dentro de mil e tantas
possibilidades e, dentro de cada possibilidade, há múltiplas qualidades, assim
como aqui.
A terceira
possibilidade: existem tipos de reinos celestiais habitados por seres repletos
de força e energia, dotados de muitos poderes, porém um tanto “excêntricos”.
Estes nós chamamos de reinos das divindades da obscuridade, uma espécie de mundo
dos demônios, seres dotados de consciência, inteligência e poderes muito
superiores aos dos humanos. Eles constituem a antítese das divindades luminosas,
sendo igualmente poderosos. Transitam entre universos e vivem centenas de
milhões de anos. Eles também descem e fazem suas incursões por aqui.
No Taoísmo, não
desprezamos estes reis ou divindades da obscuridade. E eles não estão debaixo da
Terra, tampouco estão no Inferno. As divindades Yin habitam um mundo muito mais
poderoso e acima do nosso. Poderosos, às vezes travam batalhas e guerras entre
si e contra as divindades Yang.
As divindades Yang e as
divindades Yin dos reinos celestiais têm cada qual seu território, sua legião,
sua hierarquia e sua estrutura de poder. Deve-se ter respeito pelos dois. Mas os
mestres taoístas dizem que é mais seguro e melhor acercar-se do lado da luz.
Para se subir ao mundo das divindades luminosas, é necessário um consistente
trabalho de depuração espiritual, visão sensata, pacífica, iluminada.
Quem trabalhou muito
com poder, magia, concentração, controle da mente, forças psíquicas e
paranormais, porém não conseguiu trabalhar bem com sua alma, com seu ego, suas
excentricidades, quando desencarnar será levado de ‘limusine’ para o céu
obscuro. Lá receberá suas tarefas e se aprimorará. De qualquer maneira, é melhor
do que estar aqui.
- Então, o nível de
consciência no mundo Yang é superior ao do mundo Yin.
Exatamente. Em termos
de consciência, os habitantes do mundo da luz são mais abrangentes. Chegam até
uma hierarquia mais alta. A diferença é pequena, mas certamente é melhor ir por
aqui do que por ali.
Mas há coisas bem menos
agradáveis abaixo de nós.
Cremos que podemos
encarnar no mundo animal! Pode-se voltar como cachorrinho,
cavalinho, coelhinho ou como animais que sequer podemos imaginar, deste ou de
outro planeta. [Risos: até como barata?!] Pode-se voltar como barata!
Dificilmente, após uma vida na condição humana, se desencarna e imediatamente
encarna como barata! Por quê? Porque somos mamíferos, temos sangue vermelho e
quente, e, ao cairmos da condição humana para o mundo animal, a tendência é a de
encarnarmos de imediato como algum tipo de animal cuja consciência, estrutura
física e/ou comportamento estejam mais próximos dos nossos – em geral animais
domésticos, ou certos animais silvestres, se a pessoa tiver temperamento muito
forte.
Contudo, se, após
aquela encarnação animal, se sucederem outras, pode-se começar a descer ou subir
os ‘degraus’. Não se tendo oportunidade de subir os degraus, pode-se chegar até
a barata, mas não imediatamente. Portanto, até lá você ainda tem chance. [Risos]
Chegando a barata, a coisa fica difícil.
Aos caminhos abaixo da
condição humana, nós denominamos Caminhos da
Obscuridade.
Por quê? Porque o
cérebro abriga a consciência, e, em qualquer animal abaixo da condição humana,
essa residência é muito diminuta, limitando a própria consciência. Mesmo que na
vida anterior você tenha vivido intelectualmente ativo, se você encarna como
cachorro, sua inteligência vai reduzir-se bastante. Por quê? Suponhamos que você
seja um ás da informática, dominando a operação de programa complexos em
supercomputadores; se você se vê privado de seus sofisticados hardware e
software e tem que encarar um obsoleto computador 286, que só roda programas bem
básicos, como todo o seu talento você só será capaz de um trabalho
medíocre.
Nossa máquina é muito
mais sofisticada do que a máquina de um animal. A partir daí nossa consciência
começa a obscurecer. Nossa consciência dentro de um animal vai acionando mais
algumas sementes cármicas mais instintivas e primitivas e desprezando aquelas
heranças cármicas mais sofisticadas da vida anterior. Depois de vinte anos
vivendo como cachorro, após a morte, se esse animal teve a sorte de ter
convivido muito com um dono carinhoso, que falava muito com ele, pode até
“recuperar-se” e reencarnar como ser humano. Mas a recuperação não depende dele.
Depende do dono, da maneira como convivem. Se seu dono o orienta, se põe um som
de mantra para ele ouvir, se o leva para a sala onde medita, se conversa com ele
como se fosse humano, ele fica disciplinado e, quando morre, achando que é um
ser humano, ele está programado para encarnar como ser humano de novo. Mas, ao
contrário, um cachorro abandonado vai esquecendo uma série de qualidades e
códigos e vai entrando numa condição inferior. Aí vai descer!
Todos os mestres
taoístas dizem que se deve fazer tudo para não entrar no caminho da obscuridade.
Porque é impossível prever por quanto tempo você permanecerá lá. Quem assistiu
ao filme O Pequeno Buda certamente se lembrará do episódio em que um cabrito
‘diz’: “Antes de viver quinhentas vezes como cabrito, eu vivi como sacerdote que
sacrificava cabritos, e finalmente, depois de quinhentas vezes cabrito, vou
voltar a ser sacerdote de novo” – alguma coisa assim. Era uma anedota, uma
orientação mais moralista para despertar a compaixão, para não matar, etc. Mas,
de certo modo, quando se entra no mundo animal, fica-se preso naquela dimensão e
tem-se dificuldade para voltar. Entra-se em um declínio que pode durar milhares
e milhares de anos. Por isso não é um bom caminho a trilhar.
Para concluir, dentro
do Caminho da Obscuridade há ainda outros dois caminhos: o Caminho das Almas
Esfomeadas e o Caminho das Prisões Terrestres. O Caminho das Almas
Esfomeadas é trilhado por aquele que desencarnou e não foi para o céu,
nem voltou como ser humano, nem como divindade obscura, nem como animal. Ele
permanece como alma ou fantasma. As almas esfomeadas, são aquelas entidades
obscuras, com muito apego, que se mantêm na plataforma e não “apagam”. As almas
esfomeadas podem transfigurar-se. Nem sempre apresentam forma física semelhante
à nossa, porque não dispõem do corpo físico como molde. Quando a pessoa morre,
perde a ‘fôrma do bolo’, e, com o tempo, o ‘bolo’ pode transformar-se em
migalhas que vão assumindo outras formas.
Portanto, no mundo das
almas, há seres bem parecidos conosco e outros com caras e formas estranhas. À
medida que habitam esse limbo, esses seres vão ganhando contornos próprios,
segundo seus apegos, suas emoções e suas mentes. Daí, ou mergulham em abismos
profundos, mais e mais distantes do nosso mundo, ou podem permanecer muito
próximos a nós. Por vezes, transitam por entre esses abismos obscuros como num
mundo intermediário entre a morte e a transmigração, pois na plataforma a que me
referi existem como que buracos por onde se pode penetrar sem entrar na trilha
da transmigração.
Esse mundo, muito
parecido com o que alguns espíritas descrevem, é povoado por legiões de almas
obscuras, semelhantes a gangues de rua; seres terríveis muitas vezes a serviço
de feiticeiros ou de divindades da obscuridade. Entredevoram-se, estão sempre
insatisfeitos e famintos. Por isso são ditos almas esfomeadas. Esfomeadas no
sentido de insatisfeitas. Assim, encostam nas pessoas, sempre em busca de alguma
coisa, repletos de desejos, de rancores, de sentimentos pesados.
As divindades do mundo
Yin muitas vezes descem e recrutam almas esfomeadas para trabalhar para elas no
nível mais baixo. (Convém destacar que, como nas máfias, uma vez que se entra no
Caminho da Obscuridade, dificilmente se sai dele.) Do mesmo modo, as divindades
do mundo Yang às vezes descem e recrutam almas apenas desencarnadas para o seu
serviço no mundo mais próximo ao nosso, e elas trabalham conosco.
- As almas
esfomeadas têm acesso ao nosso nível, mas não vão muito acima não
é?
Elas jamais vão acima,
só vão para baixo. Elas podem chegar até nós, nos xeretando e atrapalhando ou
negociando conosco, depois voltam aos seus buracos.
Por último existem as
Prisões Terrestres. São mundos por assim dizer mais
institucionalizados, parecidos com o que se entende por Purgatório. São regiões
obscuras, repletas de sofrimentos, onde as pessoas que têm muito apego se
acotovelam. Elas só sairão de lá depois de uma ‘terapia de choque’. Comandadas
por divindades, as Prisões Terrestres dispõem de uma hierarquia, com ‘diretores’
e ‘oficiais’. Como num reformatório, muitas vezes eles maltratam você, queimando
seus carmas, doutrinando-o na marra; e, quando você está pronto, eles o relançam
para o destino. Então você poderá encarnar como animal ou como ser humano
novamente. É como um reformatório para as pessoas que carregam dentro de si
profundos sentimentos de culpa.
Por isso os mestres
taoístas sempre dizem que não é bom cultivar o sentimento da culpa, mesmo que
você tenha errado. Trabalhe com consciência, não trabalhe com culpa. Se você tem
culpas, terá de livrar-se delas, e quem vai liberá-lo são os oficiais do
‘reformatório espiritual’, das Prisões Terrestres, cujo sentido é o de purgação,
de retirar aquilo que é ruim de dentro de você.
O Taoísmo sustenta que
não devemos cultivar a ideia de que há algo ruim dentro de nós; se, não
obstante, o fizermos, teremos de expurgar esse mal. Pois, uma vez cultivada a
ideia de que somos pecadores, ruins, caímos na grande armadilha que ela encerra,
de termos de retirá-la depois. Aí você vai para o desagradável reformatório
chamado Prisão Terrestre, para defrontar-se com suas culpas, submeter-se ao
flagelo e ser esmagado milhares de vezes até curar-se e poder finalmente dizer:
“Estou livre!” Aí você vai embora e encarna novamente...
Concluindo, este é o
processo da Morte até a Transmigração, quando você pode ir para o Céu da Luz,
para o Céu da Obscuridade, retornar como ser Humano ou como Animal, perambular
pelos abismos da obscuridade como Alma Esfomeada, ou reformar-se nas Prisões
Terrestres.
POSTADO PELO LOBO DO MAR
Nenhum comentário:
Postar um comentário