terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Congresso: não há perigo de melhorar.


Por Cardoso Lira

A proximidade da renovação das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, na abertura do ano legislativo a se iniciar em fevereiro, põe em foco - mais uma vez - a esqualidez do Congresso Nacional, que deveria ser a principal instituição política da República. Expõe também os deploráveis usos e costumes dos seus prováveis dirigentes na segunda metade da atual legislatura, decerto compartilhados por sabe-se lá quantos de seus pares.
 
O definhamento do Congresso, diga-se desde logo, não resulta de terem sido as suas funções usurpadas pelos dois outros Poderes - o Executivo e o Judiciário. O Legislativo só tem a si próprio a culpar pela sua consolidada desimportância e a degradação incessante de sua imagem. A instituição parlamentar renunciou, por livre e espontânea vontade, à posição que lhe cabia ocupar na vida política brasileira.
 
Os seus integrantes de há muito deixaram de ser os formuladores da agenda nacional e os interlocutores por excelência da sociedade, nas suas agruras e aspirações. Possuídos pelo varejo dos seus cálculos de conveniência, prontos a trocar a sua primogenitura na família institucional do País pelos pratos de lentilhas saídos da cozinha do Planalto, deputados e senadores formam uma versão mumificada do vibrante corpo legislativo que deu ao País a Carta de 1988 - avalie-se como se queira o produto de seu trabalho.
 
Nas democracias autênticas, o Parlamento deve fiscalizar os atos do governo, legislar e debater as questões nacionais. No Brasil, o Congresso não faz nada disso. O seu papel fiscalizador ele mesmo desmoralizou com as suas CPIs de fancaria, criadas a partir de interesses partidários, conduzidas com escandaloso facciosismo pela maioria de turno e encerradas sob acordos espúrios para salvar a pele dos suspeitos de lá e de cá.
 
Quanto às leis, ora as leis. Se os congressistas se permitem terminar um período dito legislativo sem votar nem ao menos o Orçamento da União para o ano vindouro - o projeto mais importante que incumbe ao Parlamento a cada exercício -, que dirá de tudo o mais? Propostas de autoria própria nascem, em geral, para constar. As excelências preferem contrabandear para dentro das medidas provisórias (MPs) do Executivo cláusulas que convêm às clientelas patrocinadoras de suas campanhas - e que não guardam a menor relação com o objeto da MP.
 
O governo, por sua vez, aceita a farsa. De todo modo, se vetar partes do projeto de conversão afinal aprovado, a vida segue - mais de 3 mil vetos, muitos já encanecidos, aguardam apreciação parlamentar. O debate dos grandes assuntos, por fim, foi abandonado. O sistema de funcionamento das duas Casas do Congresso desencoraja, na prática, os pronunciamentos e réplicas que mereceriam ocupar o horário nobre de uma sessão. Em consequência, o plenário se tornou irrelevante para a imprensa.
 
Ao mesmo tempo, Câmara e Senado criaram monumentais aparatos multimídia de comunicação, que servem para os seus membros, reduzidos muitos à condição de vereadores federais, mostrarem serviço às bases e prepararem a sua reeleição. A regra não escrita é simples: os representantes do povo pervertem em privilégios as prerrogativas que se conferiram a pretexto de atender os seus representados.
 
Não há perigo de melhorar. O favorito para presidir a Câmara é o atual líder do PMDB, Henrique Alves, na Casa há 42 anos. O Ministério Público o acusa de enriquecimento ilícito. Em 2002, a sua ex-mulher informou que ele tinha US$ 15 milhões em contas não declaradas no exterior. Naquele ano, o seu patrimônio declarado era de R$ 1,2 milhão. Em 2010, somou R$ 5,5 milhões. Segundo a Folha de S.Paulo, dinheiro de emendas parlamentares de sua autoria e de um órgão federal por ele controlado beneficiou a empresa de um de seus assessores.
 
Já o Senado voltará a ser presidido pelo também peemedebista Renan Calheiros. Em 2007, acusado de ter despesas pessoais pagas pelo lobista de uma empreiteira, renunciou ao cargo para escapar (por pouco) à cassação do mandato. Há inquérito sobre o caso no Supremo Tribunal Federal, onde Calheiros é alvo de mais duas investigações. No Congresso, em suma, tudo que pode dar errado dá errado.

Editorial de hoje do Estadão, intitulado "A automutilação do Congresso."

Postado pelo Lobo do Mar

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