O Globo
Hoje, Demétrio Magnoli publica um artigo em O Globo e em
diversos jornais intitulado " O PT é uma quadrilha". Como o
articulista sempre teve muitos elogios aqui no Blog, inclusive do
blogueiro, submeto aos leitores e comentaristas. O PT é ou não é uma
quadrilha?
"Fernando Haddad está cercado por José Dirceu e Paulo Maluf.
Sobre Dirceu, aparece a palavra "condenado"; sobre Maluf,
"procurado". Contaminada pelo desespero, a propaganda eleitoral de
José Serra não viola a verdade factual, mas envereda por uma perigosa narrativa
política. O candidato tucano está dizendo que eleger o petista equivale a
colocar uma quadrilha no comando da prefeitura paulistana. A substituição da
divergência política pela acusação criminal evidencia o estado falimentar da
oposição no país e, mais importante, inocula veneno no sistema circulatório de
nossa democracia.
Demóstenes Torres foi expulso do DEM antes de qualquer
condenação, quando patenteou-se que ele operava como despachante de luxo da
quadrilha de Carlinhos Cachoeira. José Dirceu foi aclamado como herói e mártir
pela direção do PT depois da decisão da corte suprema de uma democracia de
condená-lo por corrupção ativa e formação de quadrilha. O mensalão é um tema
legítimo de campanha eleitoral e nada há de errado na exposição dos vínculos
entre Haddad e Dirceu. Contudo, a linguagem da política não deveria se
confundir com a linguagem da polícia.
Dirceu permanece na alta direção petista pois é um dos
artífices de uma concepção da política que rejeita a separação entre o Estado e
o partido. No mensalão, a imbricação Estado/partido assumiu o formato de um
conjunto de crimes tipificados. Entretanto, tal imbricação manifesta-se sob as
formas mais diversas desde que Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto. O
código genético do mensalão está impresso no movimento de partidarização da
administração pública, das empresas estatais, dos fundos de pensão, dos
sindicatos, das políticas sociais e da política externa conduzido ao longo de
uma década de lulismo triunfante. Na linguagem da política, Dirceu figuraria
como símbolo da visão de mundo do lulo-petismo. Mas a campanha de Serra não é
capaz de escapar ao círculo de ferro da linguagem policial.
A Interpol define Paulo Maluf como um foragido da Justiça.
Lula e Haddad não se limitaram a firmar um pacto eleitoral com o partido de
Maluf, mas peregrinaram até a mansão do fugitivo para desempenhar o papel
abjeto de cortejá-lo como liderança política. Faz sentido divulgar, no horário
de campanha, as imagens da macabra confraternização. Contudo, uma vez mais,
seria indispensável traduzir o evento na linguagem da política, que não é a da
Interpol.
Maluf é um caso extremo, mas não um ponto fora da curva.
Lula e o PT insuflaram uma segunda vida aos cadáveres políticos de Fernando
Collor, Jader Barbalho, José Sarney, Renan Calheiros e tantos outros. As
alianças recendem a oportunismo, um vício menor, mas a extensão da prática
exige uma explicação de fundo. O paradoxo aparente do encontro entre
"esquerda" e "direita" é fruto de um interesse
compartilhado: a continuidade da tradição patrimonial de apropriação da
"coisa pública" pela elite política.
As "estranhas
alianças" lulistas funcionam como ferramentas para a repartição do
imponente castelo de cargos públicos na administração direta e nas empresas
estatais. Até hoje, o Brasil não concluiu o processo de criação de uma
burocracia pública profissional. Na linguagem da política, a confraternização
de Lula e Haddad com Maluf ajudaria a esclarecer os motivos desse fracasso. Ma
s a propaganda eleitoral de Serra preferiu operar em outro registro.
A campanha do tucano oscila entre os registros
administrativo, moral e policial, sem nunca sincronizar o registro político. De
certo modo, ela é um reflexo fiel da falência geral da oposição, que jamais
conseguiu elaborar uma crítica sistemática ao lulo-petismo. Entretanto, nas
circunstâncias produzidas pelo julgamento do mensalão, a inclinação
oposicionista a apelar para a linguagem policial tem efeitos nefastos de largas
implicações. Na democracia, não se acusa um dos principais partidos políticos
do país de ser uma quadrilha.
O PT não é igual à sua direção eventual, nem é uma emanação
da vontade de Dirceu ou mesmo de Lula. O PT não se confunde com o que dizem
seus líderes ou parlamentares em determinada conjuntura, nem mesmo com as
resoluções aprovadas nesse ou naquele encontro partidário. Embora tudo isso
tenha relevância, o PT é algo maior: uma história e uma representação. A
trajetória petista de mais de três décadas inscreve-se no percurso da sociedade
brasileira de superação da ditadura militar e de construção de um sistema
político democrático. O PT é a representação partidária de uma parcela
significativa dos cidadãos brasileiros. A crítica ao partido e às suas
concepções políticas não é apenas legítima, mas indispensável. Coisa muito
diferente é tentar marcá-lo a fogo como uma coleção de marginais.
O jogo do pluralismo depende do respeito à sua regra de
ouro: a presunção de legitimidade de todos os atores envolvidos. Nas
democracias, eleições se concluem pelo clássico telefonema no qual o derrotado
oferece congratulações ao vencedor.
Em 1999, após o terceiro insucesso eleitoral de Lula, o PT
violou a regra do jogo, ao desfraldar a bandeira do "Fora FHC". Serra
ficou longe disso dois anos atrás, mas seu discurso de derrota continha a
estranha insinuação de que a vitória de Dilma Rousseff representaria uma ameaça
à democracia. Agora, na eleição paulistana, a propaganda do tucano sugere que
um triunfo de Haddad equivaleria à transferência da prefeitura da cidade para
uma quadrilha. Na hipótese de derrota, como será o seu telefonema de domingo à
noite?
Postado pelo Lobo do Mar
Nenhum comentário:
Postar um comentário