terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Eleição na Câmara: traição de aliados e fogo amigo preocupam PMDB.



O deputado Henrique Eduardo Alves (RN) elegeu-se ontem presidente da Câmara, confirmando a previsão de que o PMDB retornaria ao comando da Casa depois de ter o PT por dois anos no cargo. Mas o resultado da eleição surpreendeu a cúpula do PMDB, que momentos depois de contabilizados os votos já tentava decifrar os recados enviados no pleito por setores do PT e da bancada do próprio partido.
O novo presidente da Câmara obteve 271 votos na eleição. Os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ), Júlio Delgado (PSB-MG) e Rose de Freitas (PMDB-ES) receberam 11, 165 e 47 votos, respectivamente. Três deputados votaram em branco. Agora, dirigentes pemedebistas mapeiam as causas das traições que levaram Henrique Eduardo Alves a conquistar menos de 300 votos.
A cúpula do PMDB debate se setores do PT decidiram turbinar a candidatura de Delgado como forma de fortalecer o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, e manter o partido sob pressão. Presidente do PSB, Campos movimenta-se para ter condições de disputar a Presidência da República em 2014. Tal articulação poderia lhe assegurar a vaga de vice na chapa da presidente Dilma Rousseff, desbancando o vice-presidente Michel Temer (PMDB).
Por outro lado, pemedebistas avaliam se o desempenho de Rose de Freitas evidencia uma insatisfação de alas do próprio PMDB com o grupo que controla a sigla e uma falta de acesso ao Executivo. Embora haja um consenso na legenda de que "o PMDB ocupou todos os espaços" com a eleição de Henrique Eduardo Alves à presidência da Câmara e de Renan Calheiros (PMDB-AL) ao comando do Senado, o sentimento na direção da sigla é de "tensão" e surpresa. Renan foi eleito para presidir o Senado na sexta-feira.
Os potenciais impactos da eleição sobre as relações com o PT e a situação da base aliada também foram alvo dos debates realizados por dirigentes da sigla. Logo após a apuração dos votos, Temer, presidente licenciado do PMDB, reuniu-se com o presidente em exercício da sigla, senador Valdir Raupp (RR), e o ministro de Assuntos Estratégicos, Moreira Franco. Também participaram da conversa outros integrantes do grupo político do vice-presidente da República, como seu assessor especial e ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PR) e o deputado Eliseu Padilha (PMDB-RS). Outra reunião, desta vez com a presença do próprio Henrique Eduardo Alves e de Renan Calheiros, estava prevista para a noite de ontem.
"Houve muita traição", concluiu um participante dos encontros, apesar de a eleição ter sido definida no primeiro turno.
Decano da Casa, Alves começa sua gestão com a necessidade de conquistar o apoio da outra metade dos deputados. Isso deve levar semanas ou mesmo meses, dependendo de habilidade política para as composições internas e coragem para enfrentar o Executivo e o Judiciário, a quem se dispôs, diplomaticamente, a enfrentar.
A eleição de ontem mostrou uma Câmara com capacidade de trair no mínimo equivalente à de obedecer. Se todas as bancadas dos 20 partidos que fecharam apoio oficial a Alves tivessem correspondido no voto, ele teria cerca de 200 votos a mais, perto dos 470. Mas não foi assim. As defecções, tanto quanto os apoios, estiveram por todos os lados.
A começar em seu próprio partido, por onde Alves deve começar de imediato uma recomposição interna. A eleição para liderança da bancada, na véspera, deixou fraturas que só não foram maiores porque Eduardo Cunha (RJ), a quem não apoiou, venceu. Uma gestão alinhada com Cunha e, por consequência, com o sentimento médio da maioria de seu partido é crucial para o sucesso de sua gestão.
Alves terá de se equilibrar entre o desejo da bancada e o do Palácio do Planalto, muito díspares. Tome-se por exemplo o orçamento impositivo, bandeira de todos no PMDB mas do qual o governo nem quer ouvir falar. Cunha e sua bancada vão pressionar a favor da implementação, enquanto a presidente Dilma Rousseff é contra. Só com o andamento dos trabalho será possível ver, no dia a dia, como Alves vai se equilibrar entre as posições.
No entanto, o PMDB é apenas parte dos problemas que Henrique Alves precisa superar antes de começar sua gestão. Foram 223 votos contrários a ele, ou 43,4% da Casa. Compromissos feitos e não cumpridos pelos deputados. Abertas as urnas, todos se esquivavam da responsabilidade.
O PT apontou o dedo para o PSDB, DEM, PMDB e até para o pequeno PCdoB. Deputados petistas asseguravam que não houvera mais do que dez traições na bancada. PSDB jogou a suspeita de volta ao PT. O DEM disse que a culpa foi do PSD, que ficou maior que ele e foi o responsável pela sua redução. Já o PMDB colocou a culpa em todos. Até no seu candidato oficial, alvejado por denúncias e mais próximo da cúpula partidária do que da base.
O voto é secreto, essa contabilidade é difícil, mas o recado é fácil de identificar. Alves terá trabalho pela frente. O que não o impede de, tal qual os deputados-eleitores, também mandar seus recados. O mais claro deles é a gratidão demonstrada ao seu partido e as promessas de lealdade. Será uma gestão acima de tudo sob o olhar dos interesses e convicções do PMDB.
O novo presidente fez também a defesa do Legislativo contra o Executivo e o Judiciário. "Que nunca se esqueçam os outros Poderes, com todo o respeito minha querida Dilma eleita pelo voto e seu conjunto de governo; o Poder Judiciário ilustre no saber jurídico. Cabem todas as homenagens a um e a outro. Mas o Poder que representa o povo brasileiro na sua mais sincera legitimidade é essa Casa", afirmou. Na sequência, disse: "Não faltará nosso respeito ao Executivo e ao Judiciário, mas que tanto um quanto outro não se esqueçam que aqui nessa Casa só tem parlamentar abençoado pelo voto popular."
Renan Calheiros, também na sua posse na presidência do Senado, havia falado sobre a necessidade de pôr fim à "antropofagia institucional".
A previsão é de tempos difíceis entre as duas bancadas, ainda mais depois de Alves ter dito ontem que "sonha" com uma Câmara como a do dia em que o Código Florestal foi votado. "Essa Casa sabe que o Brasil lá fora quer uma Casa palpitante, que os temas nacionais cheguem aqui como naquela noite de votação do Código Florestal. Aquela noite é a noite dos meus sonhos para a minha gestão. A controvérsia, o debate, o embate, o voto, a discussão do Brasil real. É isso que queremos. Uma pauta propositiva."
Naquela noite dos "sonhos", PT e o governo foram derrotados. Alves afirmou ontem que a resolução de questões federativas será prioridade de seu mandato. Mencionou especificamente a redistribuição dos royalties de petróleo e do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Nos dois temas, não há consenso entre governo e base.
 
Postado pelo Lobo do Mar

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